A Nítida conversou com a porto-alegrense Vitória Macedo, que aborda em sua produção fotográfica o processo de construção de uma identidade relacionada à vivência da mulher negra na sociedade. Graduada em Fotografia, Vitória vem se destacando fortemente dentro do cenário fotográfico do país. Recentemente, foi selecionada para diversas exposições e premiada pelo Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea. Em paralelo às produções artísticas, Vitória também trabalha como fotógrafa freelancer e busca se especializar em Direção de Arte para o cinema.

Nítida: Tu poderias te apresentar e falar um pouco sobre como começou na fotografia?
Vitória: Sou a Vitória Macedo e tenho quase 26 anos. Sempre gostei muito de fotografia e fui fazer graduação no assunto. A única certeza que eu tinha era que jamais faria projetos de fotografia artística, e aqui tô eu. Não me achava criativa o suficiente, mas ao longo do período que estive na graduação fui me identificando cada vez menos com Fotojornalismo (que era o que eu queria fazer no começo).


N:Teus trabalhos buscam uma construção fotográfica mais representativa, com espaço para novos olhares e assuntos, como a temática racial como forma de representatividade e protesto. Tu pode nos contar sobre a criação de “Todas as mulheres do mundo”?
V: Eu pensei no projeto “Todas as mulheres do mundo” em 2019 que foi o ano que eu comecei a desenvolver um medo anormal de sair de casa devido ao assédio nas ruas e nos transportes públicos. Em alguns dias eu simplesmente tinha bloqueios que me impediam de sair na rua sozinha, e isso estava afetando meus estudos e meus trabalhos. Como a gente sabe, o único problema do assédio são os homens, e sempre que eu estava andando na rua e me sentia desconfortável, pensava que seria ótimo poder viver sem esse sentimento. Juntei a isso outros tipos de opressão que as mulheres negras passam durante a vida e que certamente não faz parte das preocupações das mulheres brancas, como a falta de oportunidades no mercado de trabalho ou perder seus filhos e maridos por conta da violência policial, por exemplo. Me inspirei no trabalho afrofuturista do músico Sun Ra, que diz que a luta dos negros por direitos básicos é exaustiva, e que seria mais eficiente que criássemos nossa própria sociedade. Infelizmente, pensar em uma forma de viver mental e fisicamente sãos ainda é utópico para nós negros, mas funciona como um escape para realidade em que vivemos atualmente. Por isso o objetivo era criar uma sociedade liderada por mulheres negras, que hoje em dia tem zero participação e representação na política, mas que são as mais afetadas pela má gestão pública. E também relacioná-las a trabalhos intelectuais que são relacionados a homens brancos, como a prática da ciência.







N: E como tu buscou construir a narrativa de “Maafa”?
V: Em Maafa* retrato o Oceano Atlântico como esse vasto território desconhecido que levava pessoas da África para a América para que nunca mais voltassem, a relação dos africanos com o mar e a ideia que tinham de que a América era o inferno onde seriam forçados a trabalhar sob tortura. Também abordo o ato do suicídio como uma forma de “libertação” para os sequestros de africanos pelos europeus, e a ideia de que seria melhor morrer livre do que viver escravizado.
*Maafa, é um termo em suaíli que significa “grande desastre”, utilizado para dar nome à dor histórica da diáspora africana. Foi introduzido por Marimba Ani em seu livro de 1998 “Let the Circle Be Unbroken: The Implications of African Spirituality in the Diaspora”.




N: Te consideras feminista? Teu trabalho aborda o feminismo de alguma maneira?
V: Com certeza. O “Todas as Mulheres do Mundo” aborda bem isso. Na verdade não acho que exista mulher que não seja feminista, algumas só são desinformadas ou não tem acesso a esse assunto.
N: Tem alguma mulher fotógrafa que tu se sente inspirada ou que tu indicaria pra nós?
V: Carrie Mae Weems, Adrienne Raquel, Harley Weir, Zanele Muholi, Silvia Rosi e Carlota Guerrero. Nessa ordem.
Para acompanhar o trabalho da Vitória, acompanhe a artista em seu instagram @vicmacedo.ph
Entrevista realizada por Ursula Jahn em 28.07.2020