Nítida entrevista – Vitória Macedo

A Nítida conversou com a porto-alegrense Vitória Macedo, que aborda em sua produção fotográfica o processo de construção de uma identidade relacionada à vivência da mulher negra na sociedade. Graduada em Fotografia, Vitória vem se destacando fortemente dentro do cenário fotográfico do país. Recentemente, foi selecionada para diversas exposições e premiada pelo Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea. Em paralelo às produções artísticas, Vitória também trabalha como fotógrafa freelancer e busca se especializar em Direção de Arte para o cinema.

Autorretrato da artista

Nítida: Tu poderias te apresentar e falar um pouco sobre como começou na fotografia?

Vitória: Sou a Vitória Macedo e tenho quase 26 anos. Sempre gostei muito de fotografia e fui fazer graduação no assunto. A única certeza que eu tinha era que jamais faria projetos de fotografia artística, e aqui tô eu. Não me achava criativa o suficiente, mas ao longo do período que estive na graduação fui me identificando cada vez menos com Fotojornalismo (que era o que eu queria fazer no começo).

Nunca estivemos aqui, 2018
Correção de Cor, 2018

N:Teus trabalhos buscam uma construção fotográfica mais representativa, com espaço para novos olhares e assuntos, como a temática racial como forma de representatividade e protesto. Tu pode nos contar sobre a criação de “Todas as mulheres do mundo”?

V: Eu pensei no projeto “Todas as mulheres do mundo” em 2019 que foi o ano que eu comecei a desenvolver um medo anormal de sair de casa devido ao assédio nas ruas e nos transportes públicos. Em alguns dias eu simplesmente tinha bloqueios que me impediam de sair na rua sozinha, e isso estava afetando meus estudos e meus trabalhos. Como a gente sabe, o único problema do assédio são os homens, e sempre que eu estava andando na rua e me sentia desconfortável, pensava que seria ótimo poder viver sem esse sentimento. Juntei a isso outros tipos de opressão que as mulheres negras passam durante a vida e que certamente não faz parte das preocupações das mulheres brancas, como a falta de oportunidades no mercado de trabalho ou perder seus filhos e maridos por conta da violência policial, por exemplo. Me inspirei no trabalho afrofuturista do músico Sun Ra, que diz que a luta dos negros por direitos básicos é exaustiva, e que seria mais eficiente que criássemos nossa própria sociedade. Infelizmente, pensar em uma forma de viver mental e fisicamente sãos ainda é utópico para nós negros, mas funciona como um escape para realidade em que vivemos atualmente. Por isso o objetivo era criar uma sociedade liderada por mulheres negras, que hoje em dia tem zero participação e representação na política, mas que são as mais afetadas pela má gestão pública. E também relacioná-las a trabalhos intelectuais que são relacionados a homens brancos, como a prática da ciência. 

Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019
Todas as Mulheres do Mundo, 2019

N: E como tu buscou construir a narrativa de “Maafa”?

V: Em Maafa* retrato o Oceano Atlântico como esse vasto território desconhecido que levava pessoas da África para a América para que nunca mais voltassem, a relação dos africanos com o mar e a ideia que tinham de que a América era o inferno onde seriam forçados a trabalhar sob tortura. Também abordo o ato do suicídio como uma forma de “libertação” para os sequestros de africanos pelos europeus, e a ideia de que seria melhor morrer livre do que viver escravizado.

*Maafa, é um termo em suaíli que significa “grande desastre”, utilizado para dar nome à dor histórica da diáspora africana. Foi introduzido por Marimba Ani em seu livro de 1998 “Let the Circle Be Unbroken: The Implications of African Spirituality in the Diaspora”.

Maafa, 2019
Maafa, 2019
Maafa, 2019
Maafa, 2019

N: Te consideras feminista? Teu trabalho aborda o feminismo de alguma maneira?

V: Com certeza. O “Todas as Mulheres do Mundo” aborda bem isso. Na verdade não acho que exista mulher que não seja feminista, algumas só são desinformadas ou não tem acesso a esse assunto. 

N: Tem alguma mulher fotógrafa que tu se sente inspirada ou que tu indicaria pra nós?

V: Carrie Mae Weems, Adrienne Raquel, Harley Weir, Zanele Muholi, Silvia Rosi e Carlota Guerrero. Nessa ordem.

Para acompanhar o trabalho da Vitória, acompanhe a artista em seu instagram @vicmacedo.ph

Entrevista realizada por Ursula Jahn em 28.07.2020


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