
Eu sou a Carol Ferraz, tenho 26 anos, faço aniversário agora em novembro, moro no Sarandi em Porto Alegre. Me formei em jornalismo, em 2016, e hoje estudo por conta coisas na área de fotografia e audiovisual.
Nítida: Como tu começaste a fotografar e por que tu começaste a fotografar?
Carol: Então, eu comecei a fotografar na faculdade, com as cadeiras, aprendi ali e começaram a rolar aqueles protestos de 2013 e eu senti uma adrenalina muito grande de fotografar os atos. Me senti documentando um momento histórico sabe. As pessoas sentindo o ímpeto de cidadania de ir pra rua. Enfim, teve outros elementos políticos ali e isso despertou meu interesse em fotografar, uma gana assim.
Tive umas reflexões sobre isso, de como a fotografia me ajudou a me relacionar com outras pessoas. Na época eu só fotografava porque eu gostava e as pessoas achavam que ficavam legais, que fotografava bem. Eu não conseguia entender muito bem o que queria dizer fotografar bem ou não e hoje eu consigo perceber que é isso, de eu conseguir construir uma relação naquele momento e estar me sentindo presente no aqui e agora e sentir que o importante é clicar a foto.
N: Tu tens algum projeto pessoal ou artístico em fotografia? Gostaria de falar sobre o Benedictas?
C: Eu tenho vários projetos engavetados, cada um num momento, uns só na concepção, outros eu já fotografei, já botei pra fora. Mas acho que o melhor deles, que eu consegui concretizar, foi o Benedictas, porque de fato acontece, existe algo mais concreto em relação a isso. Pois nos outros trabalhos autorais eu sinto muita insegurança de mostrar. Eu acho que a galera que é mais formada nas artes tem outra relação assim, de pensar o seu trabalho e expor ele e o jornalismo não me deu essa bagagem
N: E o que vocês fazem no coletivo? Como és o coletivo de vocês?
C: Ele surgiu com a ideia de nos apoiarmos, construirmos rede e, pra além disso, conseguir projetos com fotografia, com vídeo, dentro dessas frentes todas que a gente trabalha né, outras mais comerciais, outras mais artísticas, outras mais jornalística, outras mais documentais. Pessoas de diferentes áreas, mas que partilham o mesmo sentimento de que “bah, é difícil esse mercado”. E vejo que tem muito homem, que foda isso né. É difícil se colocar. E surgiu um pouco nisso também, de ser um espaço de acolhida, de troca, de apoio, até financeiro, tem um trabalho e indicar alguém. Hoje tá um pouco amortecido assim, cada uma tá muito nos seus corres, de trabalho e enfim, mas tem sido muito bom de construir laços, isso é o maior ganho.
N: Tu trabalhas como fotojornalista né?
C: Eu trabalho como fotojornalista, videomaker e com várias coisas.
N: O que pagarem (risos).
C: O que pagarem. O que vier pra pagar minhas contas. Porque fotojornalismo basicamente não paga conta (risos).
N: Tu não trabalhas fixa com fotografia então.
C: É, como freelancer.

N: E tu percebes discriminação de gênero ou machismo dentro do meio fotográfico?
C: Sim, por onde começar (risos). Uma ou duas semanas atrás eu tava fazendo um freela de um jornal, uma pauta muito sem graça, e um fotógrafo, que é conhecido já por ser escroto e enfim, a galera já sabe como ele é e nem chega muito perto, comentou assim, tinha um cara fotografando, ele tava com uma lente milionária, e “ah, vamos fazer uma foto”. E esse cara, esse fotógrafo, tava do meu lado e ele comentou “ah, vai fazer uma foto de mim de costas cara, faz uma foto dessa menina aqui que é muito mais interessante”. E eu olhei assim e pensei, “ah, não vou me estressar”, sai e deixei eles, porque já conhecia a figura.
Entre tantas questões. E o mais maluco é que é um editor de um jornal, que não tem menor processo de reflexão do que faz e do porque faz. Uma verdade tão rasa que tu fica pensando “bah, tem tanta gente foda que tá aí e não tá trabalhando e tem essa pessoa que tá ocupando esse lugar e sendo escrota sabe”. Eu acho que isso é o que mais me incomoda. Ver pessoas muito talentosas, meninas principalmente, muito talentosas, batalhando e desistindo muitas vezes pois não conseguem oportunidades. E mano ali que tem um contato quente, que botou ele naquele lugar. A bolha. O clube do bolinha.
N: Mas no meio mais geral da fotografia, o que tu achas do machismo?
C: É bem complexo né, porque pra qualquer lado que a gente olhar, a gente vai problematizar uma questão. Machismo, racismo, classismo. Todas essas questões parecem que caminham juntas né. É uma forma de ver o mundo, uma mentalidade. Então é difícil romper com isso e daí quando tu rompe pela primeira vez, parece que todos os lugares que tu olha tu enxerga machismo, enxerga racismo, enxerga classismo em algum nível. Então seja fotógrafo que só fotografa mina nua no apartamento, ou o cara que faz uma convocatória pra fotografar as vaginas das mulheres em Pernambuco, ou o editor. São muitos níveis. E o próprio mercado é muito fechado. A gente sente que tem uma leve mudança nos últimos anos, mais mulheres trabalhando, mas muito nesse sentido de se apoiar, de resistir mesmo.
N: Tu te consideras feminista? O que tu entendes por feminismo?
C: Sim, é muito complexo dizer assim, porque como eu disse antes, é uma forma de ver o mundo. Rompe com essa perspectiva de que exista uma dominação, seja masculina, seja feminina, mas é uma relação de humanidade, de tu olhar pro outro indivíduo e ver uma humanidade para além de gênero, pra além de raça, pra além de classe. Enfim, a gente vive com muitas camadas de julgamentos, então, pra mim, é um pouco isso, tentar romper com o sistema que explora diferentes níveis, mulheres, fazendo esse cruzamento entre classe e raça. Diferentes opressões que caminham juntas.
N: E tu tentas colocar isso no teu trabalho fotográfico de alguma maneira?
C: Eu acho que não tem como não colocar, porque a partir do momento que tu ali, teu filtro, o pra onde tu tá direcionando tua câmera, a mensagem que tu tá passando, o momento que tu escolheu pra clicar, o enfoque que tu deu pra narrativa, tudo isso é colocar o que tu quer dizer né, construir tua narrativa. Muitas vezes no campo do simbólico, e cada pessoa avalia da forma com o que tá nela. É decodificação e codificação. Cada pessoa vai ler da sua forma. Eu tento colocar de diferentes formas, a partir dessa narrativa, fazendo trabalhos voluntários na periferia, com uma galera que eu acredito muito no que faz, sem cobrar por isso, pois eu sei que eles também nem podem me pagar, e cobrando mais caro de quem tem grana e pode pagar, pra sustentar isso. Acho que às vezes pra uma galera isso é prostituir o trabalho, porque tu não tá cobrando, mas eu não enxergo exatamente assim, vejo como um viés de causa social.
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