Entrevista realizada em 2016 durante o FestFotoPoA, com Mônica Maia, editora de fotografia e sócia da DOC Galeria.
Nítida – Tu poderias te apresentar e falar como tu atuas na fotografia?
Mônica Maia – Sou a Mônica Maia, estou fazendo trinta anos de fotografia. Comecei em 1986, no laboratório de uma revista em São Paulo chamada Revista Afinal. Eu fazia artes plásticas na FAAP e foi dentro do mundo das artes plásticas que eu descobri a fotografia e acabei indo para uma fotografia bem noticiosa. Trabalhei um pouco em uma revista e logo fui para um jornal. Me identifiquei bastante com o fotojornalismo, fiquei vinte anos no Estadão, cinco anos na Folha e fazem quatro anos que eu estou trabalhando em projetos novos e em especial estou com uma galeria que se chama DOC Galeria. Pelo nome já dá para identificar o tipo de fotografia que a gente trabalha lá, que é a fotografia documental. Tentar trazer um pouco essa fotografia documental, jornalística, que está com poucos espaços e criar novos espaços para essa fotografia. Logo que eu fui para o jornal do Estadão, na década de 80, final da década de 80, nós éramos em muitas mulheres, e depois eu fui reparando que as mulheres deixaram de trabalhar e as equipes voltaram a ser muito masculinas nos jornais. Mas, na minha época, acho que éramos oito mulheres, a Folha também tinha várias, uma delas está lá até hoje, a Marlene Bergamo, que tem uma história bastante interessante também. A gente entrou juntas numa mesma época, era um mundo bastante machista, além de machista um pouco egoísta, não dividia muito conhecimento. Acho que a grande diferença que eu sinto daquela época lá atrás é que a gente tinha pouquíssimo acesso a referências, a cursos, e tínhamos pessoas do lado que também não compartilhavam muito. Acho que isso foi um ganho enorme que a fotografia teve, assim como outras áreas, que é o compartilhamento da informação, a troca, referência, pesquisa… É uma coisa que na época foi bem difícil quebrar essas barreiras. Eu gostava muito do que eu fazia, mas chegava em casa às vezes e chorava, falava “Será que eu vou aguentar amanhã voltar lá e enfrentar?”. Porque a gente logo assumiu viajar, revelar filme, fazer transmissão de telefoto, e às vezes, alguns colegas não achavam isso muito legal, mas a gente quebrou esses tabus muito rápido. Eu muito rápido virei editora, fiquei três anos na rua fotografando. Minha última grande cobertura fotográfica foi a campanha do Lula em 89, foi um privilégio, viajei o Brasil inteiro com ele numa época em que viajavam seis pessoas na campanha: o candidato, o assessor, o segurança, dois ou três jornalistas. Foi uma experiência maravilhosa, foi um trabalho bem duro porque a gente tinha que fotografar, revelar, em situações sempre difíceis, porque, às vezes, no banheiro do hotel dava para revelar um filme, às vezes, não dava, se trancar dentro de um armário, espera ficar escuro, enrola o filme… E o mais complicado era montar o laboratório químico, o banheiro tinha que virar um laboratório, ampliador, bacias, e daqui a pouco tem uma carreata, daqui a pouco tem um comício. Aí a gente editava, revelava, copiava no máximo três fotografias de cada assunto, quando dava. A gente levava também uma transmissora de telefoto, colocava a foto num rolo, tinha um sensor, e uma transmissão por linha de telefone fixa, era todo um processo. Eu passei por um processo analógico muito rico, muito rápido. Depois que eu voltei dessa campanha eu fui convidada para ser editora e, desde então sou editora de fotografia. No Estadão criamos a agência Estado, unificamos a fotografia dos dois jornais, era o Estadão e o Jornal da Tarde. Tivemos muitas conquistas em relação ao crédito, direito autoral… Criei um sistema de vendas de foto, todos os fotógrafos participavam economicamente da venda, visitei vários jornais no Brasil, levando essa experiência para vários jornais, que todos fotógrafos tinham que participar financeiramente de todos os movimentos do jornal. A gente teve muitas conquistas ao longo dos anos. Passei também pela migração do analógico para o digital, uma experiência muito rica. A minha vida foi muito analógica, na fotografia, mas você ter tido essa experiência te ajuda a entender muitos processos. Eu não sei como é ter nascido já no mundo digital, é incrível, maravilhoso, não precisa carregar sessenta quilos para viajar como eu carregava, você faz a foto hoje e transmite rapidamente, são outros tempos e outras necessidades. Mas foi um privilégio ter passado por todos esses processos e conquistas.
N – Eu fiquei curiosa com a questão que tu falaste que no início tinham várias mulheres e depois foi diminuindo o número, tu terias alguma sugestão do por que isso ter acontecido?
M – Eu fiquei pensando o que aconteceu. Acho que tem duas coisas que aconteceram simultaneamente. Muitas mulheres viraram editoras, eu fui um caso desses, saí da rua, virei editora. Conforme foi aumentando o recurso, foi aumentando o número de profissionais, fotógrafos, assessores, seguranças… Hoje as coberturas são muito competitivas, hoje sai um presidente ou alguma personalidade, é praticamente uma luta para você conseguir uma imagem. Então não sei se isso é muito legal, ficar ali naquela luta quase que física para conseguir uma foto, não sei se isso afastou um pouco as mulheres da rua. Não da redação, aí eu sinto o movimento contrário, a redação era super masculina e as mulheres foram conquistando, pauteira, editora, subeditora, editora de redação, acho que teve essa troca no jornalismo em geral. E até hoje eu vejo poucas mulheres na rua, mas eu estou para perguntar para algumas e alguns fotógrafos se tem a ver com essa brutalidade. Mas, isso no foco específico do jornalismo diário. Agora, já em outros trabalhos, as mulheres estão desenvolvendo trabalhos maravilhosos, com muita atitude, muito comprometimento, muita criatividade… Acho que está num momento de repensar muita coisa. Eu sinto que nos outros espaços a produção está bem rica.
N – Por exemplo, no espaço de galeria, tu vês algum direcionamento específico, o que tu vês que as mulheres estão produzindo? Tanto como fotógrafas ou como tu que estás na direção e na produção.
M – No caso específico da galeria a gente desenvolve muitos projetos, a gente é um escritório de fotografia e envolvemos várias pessoas de várias vertentes. A questão da galeria é uma coisa bem nova pra mim, estou há quatro anos, na questão do mercado estou aprendendo muita coisa. A gente é uma galeria fortemente documental, temos um grande parceiro que é o Mauricio Lima, acabou de ganhar um Pulitzer, primeiro brasileiro a ganhar um Pulitzer. Nós inauguramos a galeria com um trabalho dele, a série dele da Líbia, um trabalho bastante intenso, bastante profundo. A gente acompanha muito conflito, que já não é um ambiente muito feminino. Os poucos fotógrafos que a gente representa, o Maurício Lima, o Gabriel Chaim estão em áreas de conflito. Maurício está há quase um ano dedicado aos refugiados. Gabriel Chaim está no Iraque muito com os refugiados também, mas no front. O Drago é o nosso fotógrafo mais novo, a gente conheceu nas manifestações de 2013, era quase que um manifestante-fotógrafo. Ele era tão manifestante que as fotos dele se diferenciaram de todas as outras fotos. Ana Carolina Fernandes eu acho que é uma que representa muito a mulher nesse espaço, nessa batalha, a gente trabalhou juntas em um jornal na década de oitenta. Ela continuou fotógrafa por muito tempo, tem desenvolvido trabalhos pessoais, estamos trazendo os trabalhos dela para a galeria. Ela tem um trabalho incrível do Rio de Janeiro , na Lapa, sobre uma casa em que só vivem travestis, ela conviveu uns três, quatro anos. O trabalho é muito sensível, como ela mesma fala “Eu não quero dar uma voz pra eles, eu quero dar um corpo”. É um trabalho que vale muito a pena ver. Então estamos trabalhando um pouco despreocupados se é homem ou mulher, mas principalmente os temas, os assuntos, estamos tomando esse caminho.
N – No início, na década de 80, tu falaste sobre o machismo… Tu ainda sentes machismo, nesses ambientes, do jornal, das galerias, nos lugares que tu circula dentro da fotografia?
M – Quando eu comentei que em 86 eu entrei no jornal e senti uma resistência por ser um ambiente muito machista, eu acho que aquela atitude machista escondia um pouco o medo de dividir, de compartilhar, de aprender igual. Quando eu viajava e tinha que aprender muita coisa ao mesmo tempo e eu ia buscar outras pessoas para me ensinar. Culturalmente a gente vive em uma sociedade muito machista. Hoje a gente tem mil discussões, é tudo muito aberto e conversado e igual, eu posso criar meus filhos diferente do que eu fui criada. Mas a gente, mesmo mulheres, a gente acaba sendo machista em algumas atitudes, por criação, acho que daqui a pouco vai quebrar isso. Eu sinto que teve uma evolução de comportamento, de quebra de paradigmas, de movimentos que estão muito fortes, isso tudo contribui para o ambiente da fotografia. Eu não sinto hoje muito machismo nos ambientes de trabalho, de troca, onde a gente está criando nossos encontros. Eu não tenho convivido muito com redação nesses últimos quatro, cinco anos, mas acredito que tenha melhorado bastante. Eu sou otimista também.
N – Pensando nisso, tu acreditas que nós como mulheres dentro da sociedade, dentro da fotografia, ainda precisamos do feminismo? Tu te consideras uma feminista?
M – Acho que a luta feminista nunca deve acabar no sentido de buscar harmoniosamente as igualdades, sem nenhuma distinção, não só da mulher, dos negros, de onde veio, não importa. Hoje estamos lidando com os refugiados, e todo mundo tem que abrir suas portas, porteiras e corações. Eu acho que, como culturalmente é muito forte, vem do nosso passado e fantasmas, histórias muito pesadas que existem ainda. Apesar de em alguns ambientes a gente já ter conquistado igualdades, acho que a luta e a união nunca devem parar para a gente não correr o risco de voltar para trás, como o momento que a gente tá vivendo tá bem assustador. A gente ter conquistado tanta coisa, presidente mulher, um monte de ministras, a gente se depara agora com um governo muito machista, muito autoritário, nós não temos nenhuma mulher, nenhum negro, isso é muito preocupante. Acho que o momento, no geral, não só para a mulher, é muito preocupante.
N – Eu também fiquei curiosa sobre o ambiente feminino em ambiente de guerra, na fotografia documental, que é um tanto bruto. Isso te faz pensar se existe uma fotografia mais “feminina”?
M – Quando eu coloquei a questão da fotografia, da disputa pela fotografia mais bruta, são coisas do nosso cotidiano. Mesmo nas áreas de conflito existem mulheres fotógrafas que estão lá, eu tenho duas amigas jornalistas que são repórteres de conflito e elas trafegam muito bem nessas regiões. Claro, que a primeira coisa que você faz é entender para onde você está indo, qual a religião, como respeitar o lugar em que você está chegando para desenvolver bem o trabalho. Então, essas situações de conflito e guerra são situações que dependem muito de você, da sua disponibilidade, do seu conhecimento. Esse trabalho em áreas de conflito, de situação socialmente mais complicada, não vejo muito problema em ser homem ou mulher, isso tem muito a ver com cada um. O que me incomoda um pouco é ver duzentos fotógrafos em volta de uma pessoa, isso é uma insanidade. Então é bem diferente dessas coberturas mais pesadas, porém muito concentradas, muito sérias, e tem várias repórteres brasileiras lá atuando.
N – Tanto nas leituras de portfólio, quando nas outras coisas que tu tens participado, eu vi que tu foste jurada o World Press Photo, como tu vês o trabalho das mulheres, tanto das fotógrafas como das juradas? Como anda a representatividade da mulher nesses espaços?
M – O World Press faz bastante tempo que eu fui jurada, quatorze, quinze anos. Fui a primeira brasileira a ser convidada a ser jurada, e isso para mim refletiu no trabalho que eu estava fazendo aqui de conquista dentro das redações dos jornais. De alguma maneira isso chegou lá, de como estávamos fazendo nossas conquistas aqui. Tanto em termos de fotógrafo como da mulher, mas muito da profissão, que estava muito desvalorizada. Quando eu fui pra lá, foi o último ano analógico, foi uma experiência maravilhosa. Dos oito jurados, três ou quatro eram mulheres, isso há uns quinze anos. As mulheres são muito presentes no júri. Em termos de participação a gente julga sem saber de quem é a fotografia, mas como é um trabalho muito de hard news, de jornalismo, acredito que a maioria das inscrições ainda sejam masculinas. Hoje é uma votação virtual, então não estou muito segura de quantos homens e quantas mulheres. Em leitura de portfólio eu tenho visto várias mulheres, aqui é o segundo ano que vejo a Ângela, a Verônica, ano passado do Uruguai, uma pessoa muito importante na fotografia, a Mônica Zarattini… Acho que tem mais mulheres produzindo, acho que atendi mais mulheres que homens nesses dois dias. Sinto que tem bastante trabalho procurando histórias próprias, criando novas narrativas, apropriação, tem muita pesquisa acontecendo e eu sinto que as mulheres estão bem participativas.
N – Tem alguma mulher que tu destacarias como influência?
M – Vou destacar uma que acho uma mulher muito inspiradora, pela luta de vida, pela defesa da mulher e pela história na fotografia, que é a Nair Benedicto. A Nair tem uma história incrível de luta, presa política. Ela é uma guerreira até hoje, então ela é uma inspiração.
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